quarta-feira, dezembro 02, 2009

A poeira formava uma densa camada por cima de tudo. Sinais de corpos e vidas que já não se encontravam ali. Restos fossilizados de felicidade, onde aranhas e besouros faziam seus ninhos. Marcas redondas de lágrimas que caíram e secaram sem que ninguém as enxugasse. Pó, terra, enterro. Mofo, bolor e chorume. Ar parado, contaminado. Se havia sobrado algo de bom no mundo, era longe daquele buraco.
O vento soprou forte, derrubando os tapumes. O sol fez questão de entrar sem cerimônia. Redemoinhos faziam dançar a imundície, varrendo os anos que passaram em vão.

Os pés descalços sobre o vidro estilhaçado. Pegadas de sangue ficavam para trás. E, ainda que a luz ferisse seus olhos há tanto acostumados com a escuridão, ela prosseguiu.

quinta-feira, abril 26, 2007

...e eu caminhava. Conformada e resignada a sofrer para sempre. Tristeza, luto, lágrimas: este era meu passado, e também seria meu futuro. A busca havia acabado, não havia por quê continuar vagando pelo mundo, procurando algo que, agora eu sabia, era impossível encontrar. Havia outrora prometido a mim mesma que prevaleceria, enquanto tivesse um objetivo. Eu o havia alcançado, e ele não existia.
Num canto sombio e úmido como minha própria alma, refugiei-me para a repugnante e solitária tarefa de amputar minhas próprias asas. A visão decadente, oleosa e suja do que antes eu tinha de mais maravilhoso era mais dolorosa do que a lâmina deslizando pela pele, dando livre vazão ao sangue quente e vermelho- único sinal de vida que pulsava desesperadamente do meu corpo mutilado. Minhas mãos tremiam, comecei a sentir frio. E no instante seguinte, tudo era escuridão.

E paz.

Ao meu lado, uma silhueta parecia oferecer apoio. Eu pude distinguir o contorno de sua mão estendida. Um aroma familiar e tranquilizante embriagou-me as narinas e eu quase sorri, achando que o cheiro me trazia lembranças boas, as quais eu não conseguia resgatar.
Hesitei em aceitar a mão da sombra que me amparava. Permaneci imóvel, esperando fingir-me de morta. Mas meu invisível companheiro não recuava, e agora movimentava a mão, insistindo para que eu aceitasse seu impulso, e me pusesse mais uma vez de pé.

Timidamente, ergui o braço, num esforço para fazê-lo apesar da dor e da hemorragia. Abri a mão espalmada, esticando os dedos para que tocassem os dele. Eu não tinha mais medo nem expectativas. Não havia mais nenhuma saída, qualquer acontecimento seria lucro, enquanto ainda estivesse viva. Achei que nada mais poderia me atingir.

E então, a revelação.

quarta-feira, abril 18, 2007

Via passar por mim todas as nuances da felicidade e da miséria. Mulheres arrependias, homens de poucos sonhos, famílias felizes caminhando de mãos dadas. Entre todos, lá estava eu, cabeça e olhos baixos, invisível no meio de tantos corpos em movimento.
Fitava meus próprios pés em seu movimento contínuo e tedioso. Sempre á frente, sem retroceder nenhum passo. Desconhecia o destino, mas tinha a esperança de que me trouxesse a plenitude. A tal "luz no fim do túnel" que tantos perseguem durante toda a vida, sem saber que por fim, só a encontraria na morte.

De repente, sinto uma mão pousar sobre meu ombro. Um toque, um sorriso. Voltei-me, pensando que finalmente, eu conseguira a única coisa que eu realmente desejava: um anjo da guarda, um guia, um amigo.

A força do golpe não deveria ter me ferido. Mas feriu.

terça-feira, abril 17, 2007

"...Por quê?"

Ela continuava, impassível, a me questionar, embora soubesse das respostas.

"Não finja que nunca trilhou esses caminhos. Conheces cada saída e cada beco escuro e úmido por onde possas se desaventurar. E no entanto, ainda insiste em cair nessas armadilhas!"

"Cala a boca!" - ordenei, num arremedo de firmeza.- "Eu sou capaz de lidar com isso...sozinha."

"Sim, eu bem sei. Não precisas da ajuda de ninguém para tomardes uma decisão estúpida. Apenas mais tarde, quando estiveres chorando as conseqüências, é que mendigarás a atenção das pessoas mais irrelevantes para aplacar vossa solidão."

"Eu odeio você. ODEIO."- eu disse, sem saber bem por quê. Queria ofendê-la de alguma forma. Magoá-la, feri-la. Fazê-la sentir ao menos um pouco do sofrimento que sempre me inflingia, embora soubesse que era impossível atingí-la. Minha inimiga implacável.

Silêncio. Ela havia se calado, desferido seu golpe mais mortal. E não existe abandono mais doloroso do que enfrentar a indiferença de nossa própria consciência.

Reavalie suas atitudes. Reveja seus conceitos. Jogue fora o que não serve mais. Abra mão de antigos valores. Cresça. Amadureça. Assuma seu papel no mundo. Deixe que morram aqueles que não lhe farão falta. Traga vida a quem só depende de você para viver. Encontre. Explore. Entenda. Nada mais é tão importante quanto estar em perfeito equilíbrio. Abra as janelas. Feche as portas. Feche as pernas. Escureça.
Muitos comandos, nenhuma direção...

Cada segundo era uma nova prece, onde eu só pedia ser capaz de me fazer calar. Eu não queria ter que revelar o que toda aquela situação realmente provocava em mim. Era, como em muitas vezes, prisioneira do meu próprio bom-senso, obrigada a abrir mão de minha paz de espírito em prol de uma tranqüilidade externa da qual eu não poderia nunca compartilhar.

Tudo o que eu queria era gritar.

segunda-feira, setembro 18, 2006

Nada é mais doloroso do que a verdade, quando se pensa estar vivendo um sonho.
E nada machuca mais do que o golpe da revelação, surpreendentemente brando e doce, cheio de silêncio e envolto em macia calma, quando você mais esperava enlouquecer. A tristeza onde achou que haveria raiva. A resignação quando pensou que brotaria a revolta.
A impressão de que se é um mero espectador. A incerteza desdobrada diante de si, num palco onde esperava-se a encenação de uma peça pronta, de final definido.
A prostração diante do descontrole. Minha maior derrota.
Deixo que as lágrimas molhem uma prece muda. Busco a Deus, mas já não o encontro.

sábado, setembro 16, 2006

Seus olhos doces eram o oposto dos meus. Fitava-me com a inocência típica de uma criança, e essa doçura tinha o efeito de uma lâmina rasgando-me as entranhas corrompidas pelo ódio e pela malícia.
-Por quê tens ódio das pessoas.... Não vês que afoga-te em teu próprio veneno?
Pegou em minha mão ferida, fazendo arder a carne exposta. Cada uma de suas carícias me provocavam uma dor lancinante, que eu suportava calada por achar que merecia. Deixei que puxasse meus cabelos, mordesse meus seios, arrancasse as cascas de meus machucados e introduzisse estranhos e imundos objetos em minhas partes íntimas. A cada aflição eu secretamente ansiava por uma dor maior, esperando resignar-me da culpa e fazer-me digna de um perdão que só poderia alcançar na morte. Eu suplicava pela redenção. Sabia que era a única saída para toda uma existência de humilhações.

Naquela tarde, eu não vi o sol se pôr. As nuvens foram apenas escurecendo até que a noite se confundiu com o prenúncio da tempestade. Não houve poesia, nem amor que acalentasse minha alma. Os sons vinham distantes, alegres ou tristes, mas eram incapazes de tocar-me de qualquer forma. Sentia-me como o som do metal que ressoa no infinito.
Ajoelhei-me e pedi perdão a Deus inúmeras vezes, como se pudesse me livrarda culpa que me pesava nos ombros. Levei as mãos ao ventre, procurando abraçar o filho que talvez já não estivesse mais lá. Minhas mãos eram frias. Meu corpo estava frio. Tudo o que eu podia sentir era o frio daquele lugar que outrora fora repleto de felicidade e calor.

Eu queria morrer novamente, mas desta vez até mesmo esse pensamento era ilícito. Entrei em desespero ao lembrar de minha sentença. Esta haveria de ser longa e dolorosa em seu desenrolar, e ainda mais cruel em seu desfecho.

Foi a primeira vez em que experimentei o arrependimento.

Eu podia sentir seu coração pulsando dentro de mim, roubando-me tudo o que havia construído até então, e abrindo novas portas que eu não sabia para onde me levariam. Queria gritar e dizer que lamentava, mas uma estranha alegria transformava cada lágrima num sorriso. Estava perdida em meu próprio ser, e a partir do momento em que soube que não estaria mais sozinha, havia perdido também a única certeza que trouxe durante toda a vida.

Eu não sabia mais quem eu era.

quinta-feira, março 23, 2006

Eu buscava a destruição. E onde não a encontrava, tratava de criá-la em suas formas mais irônicas. Com laços de amor, carinho, solidariedade e compaixão. Por onde passava, deixava um rastro palpável de uma plenitude que não fazia mais parte de mim. Disposta a ir longe, até um ponto do qual eu sabia que não haveria retorno. Fracassaria, mas não perderia a chance, a última chance, de tentar.

Meu corpo está pesado, cansado, ferido. Abri meu coração durante tanto tempo, espalhei tudo de bom que havia dentro dele. Nada havia restado. A concha vazia permaneceria ali apenas para lembrar que um dia pulsara vida dentro dela.

Senti-me desfalecer. Eu não levantaria. Havia chegado a hora. A lãmina deslizou devagar, e a dor era a lembrança do prazer do qual há muito fui privada. Quem dera tivesse forças para um últmo sorriso...

Pude vê-la se aproximando. Eu não sentia medo. Ergui minhas mãos para tocá-la, mas ela se esquivou, inexpressiva. Deixa-me ir contigo...- murmurei.

Foram minhas últimas palavras.

Meu Deus, afasta de mim esse cálice...

Opção inválida

Foram tantos dias, tantas noites...tantos obstáculos no caminho...

Opção inválida

Eu só busco um pouco de felicidade...

Opção inválida

Se não houver felicidade, que seja apenas a paz...

Opção inválida

Por quê me deixa conhecer o paraíso onde nunca poderei estar??

Opção inválida

Tire tudo de mim, mas não me negue ao menos o direito de me despedir...

Opção inválida

Tudo o que posso fazer é implorar...

Opção inválida

Eu nunca poderei viver,não é mesmo...Eu nunca estive aqui...

Opção inválida
Tempo esgotado

O sol estava encoberto. Não havia um só pedaço do céu para que eu pudesse enxergar o azul, e encontrar a esperança que, naquele momento, me faltara completamente.
-Então...
Não sabia o que dizer. As palavras me traíam. Qualquer coisa que eu dissesse, seria mentira. Mas se necessário fosse, assim seria.
-Então é o fim.
Nenhuma resposta. Nem sequer o som do silêncio se atrevia a pronunciar-se. Meus olhos estavam secos, eu já não poderia chorar ainda que procurasse as lágrimas. Sabia que as havia desperdiçado ao longo do caminho. Nenhuma tinha sido guardada para aquele instante, que achei que nunca chegaria.

A maldição estava completa.

Eu sentia muita dor. Uma dor como a de queimadura, rasgando-me de baixo para cima, que me fazia suar frio. "Mais um pouco". Eu queria gritar: não podia. E naquele momento eu desejei do fundo de meu egoísmo que todos os seres do mundo sentissem aquela dor comigo."Eu não vou agüentar". Meu corpo todo se contraía a ponto de eu poder sentir os pulmões sendo pressionados, dificultando minha respiração. O frio endurecia ainda mais minhas pernas e o suor gelado escorria, encharcando minha camisa."Não posso desistir agora".

Desse parto grosseiro resultou uma criança natimorta. Sem que ninguém houvesse para testemunhar, eu mesma recolhi seus restos da calçada e depositei na lata de lixo mais próxima, sem ao menos uma prece por aquela alma que nunca viu a luz do dia.